Meditação sobre o silêncio de Deus
Bento XVI esteve na Polônia, a terra do “amado predecessor”, palavras com as que se refere ao anterior Papa, João Paulo II. Além da visita sentimental e pastoral nas pegadas de Karol Woytila e da missa multitudinária em Cracóvia, o Papa visitou os antigos campos de extermínio de Auschwitz e Birkenau.
Bento XVI esteve na Polônia, a terra do “amado predecessor”, palavras com as que se refere ao anterior Papa, João Paulo II. Além da visita sentimental e pastoral nas pegadas de Karol Woytila e da missa multitudinária em Cracóvia, o Papa visitou os antigos campos de extermínio de Auschwitz e Birkenau.
O horror do Papa alemão perante o testemunho mudo e, ao mesmo tempo, gritante, dos horrores da Alemanha nazista, o fez refletir em voz alta e se perguntar pelo “silêncio de Deus”, perante o genocídio de seis milhões de judeus, dos quais 1,1 milhão de pessoas em Auschwitz.
É claro que, esta é a pergunta do alemão, intelectual, filósofo e teólogo, perante o holocausto. A “Theologie nach Auschwitz” (teologia depois de Auschwitz), a teologia ou a psicologia da culpa, a questão do mal, etc. se colocaram em toda a radicalidade, a partir daquela visão macabra. E o Papa, cuja família sofrera no nazismo, sabe muito bem disso.
Porém, holocaustos, não faltaram nem faltam. A história da humanidade é a história de suas guerras, de suas atrocidades… de seus genocídios! O genocídio africano se tornou rotina neste nosso mundo tecnológico e o extermínio da biodiversidade, que ameaça a sobrevivência da própria espécie humana, está na ordem do dia. O AIDS completa, com seus vinte e cinco anos de existência, mais um dos episódios trágicos da história humana sobre o planeta .
Um hipotético, filosófico e aristotélico Deus todo-poderoso, ominisciente, omnipreste e tal, ficaria num incômodo silêncio num além ao qual chegariam nossas perguntas sobre o porque Deus fica calado perante tudo isso que aconteceu e acontece. A aporia desse deus dos filósofos se arrasta desde, a filosofia antiga, passando por santo Agostinho entre outros, até hoje. O mal, qualquer mal é “a ausência do bem”. É uma explicação filosófica, razoada e razoável. Mas não resolve nada. O mal como fruto do livre arbítrio. É outra explicação que também não resolve nada. A existência do mal é a prova de que Deus não existe, é outra explicação que, como as anteriores, também não resolve nada… Estamos muito aquém de podermos dizer algo que faça sentido.
Sempre que me encontro perante um beco sem saída, volto-me para Jesus Cristo crucificado, que é loucura para uns e bobagem para outros, segundo Paulo. Mas que é onde eu mesmo, encontro o sentido da vida. Da minha e também do acontecer histórico. No Cristo crucificado, acontece o próprio Deus. Crucificado e silencioso.
Agora mesmo, na França proibiram os crucifixos em lugares próprios da “res”-pública e laica e a própria Espanha, laica e afrancesada, como outras vezes em sua história, começou a seguir o mesmo caminho. Outros virão em seu encalço. O post-cristianismo acha incômodo a visão de um crucifixo. Quando o cristianismo estava em conchavo com o poder político e participava dele, dourou, prateou, fez arte mais ou menos afortunada com os Cristos crucificados. Era a única maneira de tolerar a visão de um homem torturado até a morte a quem sem adora como Deus. O mundo laico começa a não conseguir tolerar mais. E eu penso que só pode ser assim mesmo. Sobram Crucifixos decorativos!
Pois bem! Quando me defronto com o silencio de Deus do Santo Padre nos campos de extermínio nazistas, e que deu motivo a que tantos e tantos comentaristas divagassem sobre ele, vou ser apenas mais um a me colocar, perante o silencio de Deus, diante de Jesus crucificado.
Porque Deus não falou no Calvário? Porque Jesus se era, de fato, o Filho de Deus, não desceu da cruz? Era vontade de Deus a morte do Justo, do Santo, de seu Filho? A vontade de Deus, a quem Jesus chamava de Abba-Pai, poderia ser uma vontade sanguinária até tal ponto de querer a morte do Filho?… No fim, qual é a consistência ou inconsistência de um Filho de Deus torturado até a morte de cruz?
Não são poucas as vezes que este velho estudante de teologia que escreve estas linhas, tem tido ocasião de perceber em seus estudos que, a vontade de Deus seria uma vontade de entregar seu próprio Filho à morte, para a redenção de todos… Porém:
1º Eu não poderia jamais acreditar num Deus que tenha qualquer vontade de morte de quem quer que seja. Pelo contrário, A vontade de Deus é sempre de vida, de alegria, de liberdade, de misericórdia, de amor de ressurreição para a plenitude da vida, apesar dos pesares!
2º Quem decretou e ratificou a morte de Jesus não foi Deus, mas os sacerdotes saduceus do Templo de Jerusalém e Pilatos, o governador romano.
3º Jesus, o Deus crucificado, significa, em minha simples visão, a rejeição de Deus e a rejeição do homem. Não a afirmação de Deus nem a afirmação do homem. E, conseqüentemente, significa a rejeição da vida, da alegria, da liberdade, da misericórdia, do amor… da plenitude do ser humano!
4º A rejeição de Jesus simboliza a rejeição do ser humano enquanto tal, por parte do ser humano enquanto tal. É fato e não adianta procurar culpados. Isso acontece diariamente. Todos somos vítimas de nossa própria existência. Explico-me brevemente: cada vez que, nos relacionamentos humanos, em lugar de procurarmos e acolhermos os outros, os diferentes, como tais, reduzimo-los a nós mesmos, ou tentamos coloca-los em função de nós mesmos, estamos rejeitando-os em sua identidade própria e, conseqüentemente, provocamos uma agressão que, na ultimidade de sua expressão, torna-se morte.
5º Jesus, em seu processo de condenação, de tortura e de morte, fica silencioso. Apenas a afirmação de sua filiação divina e messianismo é trazida pelos Evangelhos sinóticos. No Evangelho de João, essa afirmação se torna diálogo e majestade, na experiência e expressão do apóstolo.
6º Esta expressão se torna evidente no diálogo entre Jesus e os dois malfeitores crucificados: aquele que está a direita lhe suplica: “Jesus, lembra-te de mim quando começares a reinar”. Para este há uma palavra: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso”. Para o outro, que o insulta tentando escapar do suplício, Jesus permanece em silêncio. Não há palavra de Deus para este. Diante da agressão, Jesus, o filho Deus, o Deus conosco, a expressão humana de Deus, fica em silêncio.
7º As outras palavras de Jesus na cruz que nos trazem tanto os sinóticos quanto João, são mais uma oração, salmos, um diálogo de abandono, de confiança no Pai, no mais escuro da fé no momento maior da morte.
8º A morte de Jesus é o silêncio absoluto de Deus. O sábado inteiro no túmulo do corpo de Jesus é a inatividade absoluta do descanso sabático e, portanto, do silêncio absoluto da Palavra de Deus que sempre é ação criadora e salvadora. E que na morte do Justo se torna silêncio.
9º Se perante a morte de Jesus, o amor de Deus se torna, não vingança, revanche ou terror, senão o maior amor de dar a vida, como expressão do silêncio, a ressurreição de Jesus dá o sentido ao acontecimento mortal: O amor maior de Deus que vence a morte do homem. Isto é, o amor que supera a nossa incapacidade de dialogar, de nos doar, de encontrar no amor de doação, de acolhida, de recepção dos outros com todas suas limitações… de encontrar nos outros o sentido original e fundamental da própria vida. Até que não sairmos de nós mesmos na procura gratuita dos outros, nunca nos encontraremos em nossa verdade existencial mais profunda. Jesus crucificado nos abre o caminho para a vida.
9º Apenas a ressurreição e a vida eterna, se torna palavra absoluta que ilumina a razão do silêncio, da condenação, da morte de Jesus na cruz.
Assim, pois, o que podemos concluir do silencio de Deus na cruz de Jesus? Sob minha ótica, na realidade, é um grito, mais do que um grito. É no silencio de Deus que acontece um urro angustiado por uma humanidade que não escuta nem acolhe sua Palavra dada em sua criação, em sua Palavra dada aos homens, em sua Palavra feita homem, em sua morte de cruz… Se ninguém quer ouvir, acolher, viver sua Palavra criadora, salvadora, amorosa, o que lhe resta? Dar sua própria vida no silencio e na gratuidade. E assim é o Cristo crucificado: a vida de Deus dada de graça. Pega quem quer para aprender a viver e a amar e a fazer acontecer a própria vida de graça. Quem não quer…
Se eu pudesse falar com Santo Padre, diria-lhe com toda humildade que os campos de extermínio de Auschwitz, os gulags soviéticos, as massacres africanas, as vítimas do AIDS, as vítimas dos terrorismos e das guerras e dos acidentes de trânsito, etc. etc. não passam da expressão da falta de amor. Mesmo que, certamente, ele sabe disso. Caso contrário, sua primeira encíclica, não nos teria lembrado a todos que “Deus caritas est”.
Por outro lado, fica para a humanidade o sentimento de culpa, perante Auschwitz. Que é cuidadosamente e constantemente revigorado por uns e por outros. Não sei se alguém cultiva o sentimento de culpa pelos mortos do AIDS, do terrorismo, da violência urbana, do que chamamos acidentes de trânsito provocados por bêbados, prepotentes, e inaptos para a convivência humana…
Jesus crucificado liberta-nos desses sentimentos de culpa que nos impedem crescer na liberdade, na mesma medida em que nos associamos a seu amor redentor e crucificado, como doação de amor até o extremo, até o fim. A culpa humana se supera na cruz de Cristo… ou na bebedeira e a narcotização alienante e destrutiva para qualquer ser humano. Os efeitos estão por aí. “O vinho que alegra os corações”, segundo o dizer bíblico, e eu diria, contra toda opinião saudável, o cigarro que relaxa neurônios ou músculos, que poderiam ser simples instrumentos de alegria e de prazer, se tornam mortais. Nossa adesão a Jesus crucificado nos tira as culpas. Ele veio para isso: para fazer acontecer o perdão dos pecados, isto é, nossas culpas foram perdoadas, e, mais ainda, nossa morte foi perdoada.
Só amor é mais forte do que a morte. Só o amor nos faz superar os medos que, radicalmente, são o medo de morrer.
Porém, a experiência do Cristo crucificado não é se trata de um saber intelectual, lógico ou racional. Não. A experiência de Cristo crucificado-ressuscitado, o morto-vivo eternamente, é uma experiência existencial. Quem quiser “saber” algo disso, tem que experimentar.
Concluindo: é no silêncio de Deus na cruz de Cristo que Deus falou mais alto. Porque é em sua morte que se experimenta a ressurreição e a vida eterna. Concretizando o caso de Auschwitz: é no silêncio de Deus perante os milhões de seres humanos, onde o urro de Deus ecoa até hoje. E esse eco ressoa, não apenas na Europa rica e desenvolvida, mas no genocídio africano, na miséria da Ásia e de Latino-América, nos mortos pelas guerras do petróleo, etc.
Tomara que ouçamos o silêncio de Jesus na cruz, o silencio de Deus.
4º Domingo da Páscoa: Jo 10, 11-18
“Eu sou o bom Pastor. O bom Pastor dá a sua vida por suas ovelhas” – diz o Senhor, quando o evangelista nos coloca perante uma das grandes reflexões sobre a presença pascal de Jesus no meio de sua comunidade de fé e no meio da humanidade.
3º Domingo da Páscoa: Lc 24, 35-48
De modo semelhante ao domingo passado, na narrativa segundo São João, hoje é o evangelista São Lucas que nos traz para todos, como o Senhor ressuscitado está presente no meio de sua igreja, isto é, de sua comunidade de fé.
2º Domingo da Páscoa, Jo 20, 19-31
Domingo passado contemplamos o túmulo de Jesus vazio, e a primeira proclamação de Maria Madalena que afirmava rotundamente que Jesus estava vivo, havia ressuscitado. Todos os evangelhos são testemunhas do fato. E também, ao longo da história da humanidade nos revelam como Jesus permanece vivo e presente em suas comunidades de fé.
5º Domingo da quaresma: Jo 12, 20-33
Este trecho do Evangelho de João situa-nos perante o anúncio da proximidade da morte de Jesus, que se identifica com a chegada da “hora” da glória de Deus. Jesus está em Jerusalém. Alguns “gregos” querem conhecê-lo. Pedem a um dos apóstolos, Felipe: “Senhor, gostaríamos de ver Jesus”. Felipe e André conduzem-nos até Jesus que explica para eles que: |
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4º Domingo da Quaresma: Jo 3, 14-21
Neste domingo, já na proximidade da celebração da Semana santa e da Páscoa, o evangelho de São João nos situa, perante a cruz de Jesus como salvação do mundo, que é, sempre, a perspectiva do Evangelho. Para isso, João nos traz um diálogo de Jesus com Nicodemos, fariseu rico, pertencente a uma das grandes famílias de Jerusalém e que, por duas vezes entra em diálogo com Jesus. Nesta primeira conversa, o evangelista João coloca o fato histórico da cruz de Cristo, em concordância com as Sagradas Escrituras, (Jesus está conversando com um fariseu, isto é, com alguém que conhece bem a lei e os profetas) em consonância com os acontecimentos no Êxodo de Moisés. Por isso, podemos destacar: |
3º Domingo da quaresma: Jo 2, 13-25: Jesus e o Templo
Marcos, Mateus e Lucas colocam o episódio que se conhece como a expulsão dos vendilhões do Templo no final de seus evangelhos, pouco antes da narrativa sobre a paixão-morte-ressurreição de Jesus. O evangelista João, situa a mesma passagem, bem no início de seu evangelho, já num contexto francamente da Páscoa judaica. De todos modos, o evangelho inteiro de João é compreendido à luz da Páscoa, pois desde o começo, o próprio João Batista proclama a Jesus como “o cordeiro de Deus”, como referência ao sacrifício pascal de Cristo. Nesta passagem encontramos a seguinte situação: |
2º Domingo de Quaresma, Mc 9, 2-10: A Transfiguração
No Evangelho segundo Marcos, encontramos dois momentos da manifestação da voz de Deus, proclamando que “Jesus é meu Filho amado. Escutai-o”. A primeira aconteceu no momento do seu batismo por João Batista. |
1º Domingo da Quaresma: Mc 1,12-15
1) No batismo de Jesus por João, manifesta-se o Espírito Santo que, depois o conduzirá para o deserto. A vida inteira de Jesus é conduzida pelo mesmo Espírito de Deus. No deserto Jesus: |