Reflexões quaresmais (IV): A cruz e a amizade
Jesus, no evangelho de São João, diz: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá sua vida por seus amigos”. “Já não vos chamo servos, senão amigos”. “Vós sois meus amigos se fizerdes o que eu vos mando”. “O que eu vos mando é que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei”.
Centremo-nos nestas poucas frases do evangelho de são João, nas que se nos situa a todos em relação com a cruz, com o amor, com a amizade, com o mandamento do Senhor, isto é com a concretização do seu seguimento vital e real.
Quando celebrávamos o Natal do Senhor, perguntava-me, o que seria que Deus veio procurar neste nosso mundo, e me respondia a mim mesmo, que Deus veio para ser nosso amigo. O que Deus procura é nossa amizade.
E hoje, seguindo o mesmo pensamento, me pergunto: Será que é tão importante para Deus, ser nosso amigo? Seremos tão importantes para Ele que, no fim das contas, está na origem de todas as coisas e também de todos nós? Será tão importante este nosso pequeno planeta, que nem um grão de areia, num oceano de galáxias, como para que Deus se preocupe conosco, como nos ensina o Senhor, como um Pai se preocupa e ama seus filhos?. Esta pequena colocação, entre outras possíveis, dá argumentos tanto para ateus como para agnósticos. Mas, voltemos para a mensagem de são João:
“Ninguém tem maior amor do que aquele que dá sua vida por seus amigos”. A Cruz de Jesus, a vida-dada, é o sinal maior do triunfo de Deus e do Homem sobre a morte, como expressão final de destruição do homem, que se torna triunfo visível, com a Ressurreição e a Vida Nova. Mas isto é o resultado do Amor humano de Jesus, até o extremo, até o fim, até a doação de sua vida onde se manifesta a grandeza do amor de Deus. A glória de Deus se manifesta precisamente, no amor humano de Jesus até a morte. E na Ressurreição, se nos revela que o amor é mais forte do que a morte, porque é a própria vida de Deus que ressurge naquele homem em quem se manifesta o Espírito do Deus, que é o amor até o fim, com todas as conseqüências.
O Cristo crucificado, entre os milhões de crucificados ao longo da história da humanidade, nos situa a todos, perante a realidade maior do pecado que leva sempre morte e destruição. Jesus, sozinho e abandonado por todos, na cruz, é o grito agônico por amor e amizade, que Deus nos lança a todos, para amar a tantos e tantos sozinhos e abandonados com suas cruzes. Se o Cristo crucificado se torna o centro do amor de Deus, em nosso mundo, assim mesmo, o centro do mundo, não está em palácios e mansões, senão no grito do amor dos deserdados do mundo. Aliás, os palácios, mansões e luxos são fortemente denunciados pelos crucificados deste mundo: desde o Deus de Jesus até hoje.
Por isso o Senhor, positivamente, nos lembra nos sinóticos, que “quem quiser ser meu discípulo, negue-se a si mesmo, carregue sua cruz e siga-me”. E no evangelho de São João, a mesma coisa com outras palavras: “Vós sois meus amigos se fizerdes o que eu vos mando, que é: amai-vos uns aos outros como eu vos amei”.
O único e grande mandamento de Jesus, que aparece como “carência de Deus” e que é a maior necessidade de todo homem e para todo homem: o Amor, a amizade. Ser humano em toda a grandeza é amar e ser amado. Reconciliar-se consigo mesmo está, precisamente na reciprocidade de amar e ser amado. A reconciliação da humanidade como tal, também. Qualquer vida humana, verdadeiramente humana, encontra no amor a maior expressão de sua realização. O resto é invólucro, a palha que será queimada no fogo da história.
Ser amigo de Jesus. Encontrar no Senhor o sentido maior da vida, como amizade. O amigo procura estar sempre com o amigo. Amizade na cruz. Amizade com os crucificados.
Num mundo como o nosso, com injustiças, corrupção, violências em todos os niveles, neuroses pessoais e coletivas, etc., quem tem a graça da fé, conhece seu lugar: sempre ao lado da cruz e dos crucificados, hoje como ontem, que está no alicerce de todo amor verdadeiro.
Na cruz do Senhor, não ficou ninguém. Pedro e os outros fugiram, negaram... Ontem como hoje. No Evangelho de são João, apenas o (misterioso?) discípulo amado com a Mãe, Maria, estiveram, mãe e amigo, ao pé da cruz.
Todos e cada um de nós somos chamados a sermos esse discípulo amado, esse amigo incondicional, que está sempre com Jesus, no lugar que Ele esteve e continua a estar: entre os crucificados de todos os tempos. Porque Jesus é o mesmo ontem, hoje e por toda a eternidade. Jesus está para sempre onde está o alicerce humano do amor.
Concluindo: Cruz, amor, amizade, vida-dada... Deus! são uma só unidade. E, concluindo mais ainda, atrevo-me a dizer que, sem amor nada faz sentido: nem a vida nem a morte, nem a riqueza nem a pobreza, nem o sentido nem o absurdo, nem o mundo nem o universo, nem mesmo o próprio Deus! Sem amor não há nada.
Na cruz
Soneto ao Cristo Crucificado
(Atribuído a santa Teresa d’Ávila ou a outros autores – Pode ter sido composto por autor espanhol anônimo, mas a beleza da oração nos eleva a todos até hoje. Domingo próximo, de Ramos, iniciamos a Semana Santa, tempo de oração e de contemplação do Senhor, especialmente de sua Paixão, Morte e Ressurreição. Penso que esta oração pode nos ajudar a todos, especialmente na revelação da cruz que é o imenso amor com que Deus nos ama) (A tradução do espanhol ao português é minha. Tentei a maior literalidade possível)
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Nestes dias passados e a propósito do centenário do assassinato em massa de mais de milhão e meio de armênios (segundo outros, um milhão), nos tempos da primeira guerra mundial, a mãos do Império turco-otomano, a causa armênia tomou uma certa atualidade. |
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