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Paróquia Santuário de Nossa Senhora da Esperança e Santo Inácio de Loyola
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Reflexões quaresmais (III): A cruz e o escravo

O Evangelho nos conta que Jesus foi vendido pelo amigo, Judas Iscariote, um dos doze escolhidos pelo Senhor. E que foi “comprado” pelos aristocratas responsáveis pelo Templo de Jerusalém. O dinheiro saiu do tesouro de próprio Templo santo de Deus. E que foram, exatamente, trinta moedas de prata. Era o que custava a compra de um escravo. O destino final deste escravo, como o de tantos outros, era a condenação, o flagelo e a morte.

Reflexões quaresmais (III): A cruz e o escravo

E isto foi assim, porque assim tinha que ser, dentro de um mundo político-militar e religioso-social em que as coisas aconteciam assim, tudo justificado em nome da boa governabilidade do Império. Jesus (e os outros dois, crucificados com ele) foi mais um entre os milhares de crucificados pelo Império romano. A título de exemplos: a revolta dos escravos, liderados pelo  escravo Spartacus e seus  seguidores, sedentos de liberdade, terminaram em morte e cruz, na própria Roma; no ano 4 a. de C., na Galiléia, após a morte de Herodes o Grande, quando Jesus era pequenininho, houve uma revolta de judeus que finalizou quando as legiões romanas destruíram e incendiaram a capital, Séforis, e crucificaram a milhares de judeus que, ousaram sonhar com a liberdade da nação.

Ao longo da história, sempre houve Impérios e, em qualquer lógica governamental imperial, sempre houve escravos. Mesmo que não se desse esse nome. Até nossos próprios dias. Pois, em nossos tempos, continua havendo escravos. Homens, mulheres, jovens, crianças ou velhos cerceados em sua liberdade e em sua vida. E é claro que hoje é mais difícil localizar um sucessor daquele(s) antigo(s) império(s). Sempre o poder político esteve intrinsecamente unido ao poder econômico e à conquista. Hoje, também. O poder econômico de hoje está amplamente globalizado. Não é mais, apenas, uma nação que o detém. Até faz pouco, os USA eram a grande potência. Hoje continua sendo-o. Mas não é a única. A China, a União Européia, as assim chamadas economias emergentes latino-americanas, asiáticas ou africanas, o fluxo do dinheiro que se investe, revoando pelo mundo afora, segundo os interesses de um ente tão contundentemente real (pois influi na vida de todos) quanto fantasmagórico (pela impossibilidade em detectá-lo, além das flutuações das bolsas e das primas de risco), chamado “Mercado”, determina a vida e a morte das pessoas em todas as nações do mundo.

Os efeitos deste sistema global poderiam se tornar benéficos, com opções políticas e sociais em função das pessoas. Porém sua maldade não é difícil de constatar, na falta de vida e liberdade para as pessoas que são as grandes proclamas de todas as chamadas “democracias” ou governos do povo. O Mercado está aí para que os investidores aumentem suas fortunas. E assim, finalmente, quem dita o exercício do governo é o todo-poderoso “Mercado” e seus acólitos e não os próprios governos eleitos com promessas e mais promessas que, raramente, se cumprem, quando não convém às estratégias mercantis.  

Escravizados e crucificados sociais não faltaram nunca nem, também não, em nossos dias. A miséria e a fome se ceva sobre milhões de seres humanos. Os mesmos resultados se dão pelas doenças (recentemente, o mundo “rico” ficou assombrado com a expansão do Ébola que, estava confinado em alguns países africanos e que agora chamava a suas portas). As guerras de sempre, ativam-se com o fatídico e ganancioso comercio de armas. A corrupção, mais ou menos institucional, impede que pessoas sejam atendidas como tais nos serviços públicos que se oferecem, desfalecendo em filas e corredores de hospitais, sem educação acurada nas escolas, com transportes públicos dignos de quaisquer enlatados, etc. etc.    

Nos tempos de Jesus, as leis romanas submetiam às colônias conquistadas a pesados impostos que, enviavam para a miséria e a bandidagem a não poucos antigos camponeses. Encontramos escandalosas similitudes em nossas sociedades modernas que, igualmente, submetidas a pesados impostos que, teoricamente deveriam de redundar em benefícios para a população, porém condenam à mendicância e à bandidagem a tantos e tantos cidadãos que não encontram outras formas de sobrevivência, como protesto inumano para sociedades inumanas. Assim, pois,  as leis do “Mercado” (anônimo?) determinam a vida e a liberdade ou a escravidão e a morte dos seres humanos. As administrações políticas das nações estão submetidas às leis do Mercado. Qualquer país pode ser visto sob esta ótica. O Brasil, também. E quando alguém tenta sair do circulo vicioso destas leis (empréstimos-juros-pagamentos), sabe que vai ficar pior! E entre uns e outros, vivemos uma situação mundial de guerras e violências extremas, destrutivas de seres humanos em todos os continentes.

Cruzes, escravos de ontem e de hoje. Jesus entre eles, então. Nós, entre eles, hoje. O Papa Francisco, num mundo assim, em reiteradas ocasiões, tem chamado a atenção para os mortos e os feridos de nossos dias, para a Igreja ser uma espécie de “hospital de campanha”, onde se exerça a misericórdia e a compaixão (de um Deus misericordioso e compassivo), como presença do Deus que salva e liberta desde a própria cruz. O Papa, certamente, lembra e revive a paixão de Jesus, o carpinteiro de Nazaré, vendido como escravo e, como tal, executado numa cruz, em cujo rosto se espelham todos os vendidos e comprados, todas as vitimas de um mundo que é assim, porque só pode ser assim? Continuará a ser assim, até o dia em que escutar a voz de Deus: “convertei-vos e crede no evangelho”.

Estamos em campanha de fraternidade. A Igreja vive sua missão em constante campanha de fraternidade para a vida e a liberdade de todos, não apenas estes dias. São Paulo proclamava em alto e bom som: “É para a liberdade que Cristo vos libertou”. Porque Jesus será efetivamente quem Ele é, Senhor e Rei, quando a humanidade descubra que a vida, quando não é realizada no crescimento fraterno e amigo de todos com todos que geram a liberdade para o amor, apesar de todas as cruzes e violências geradas pela injustiça e a opressão de sociedades mercantis em suas ambições, não tem sentido nenhum. Jesus, na cruz, contra a violência do mundo, nos diz São Lucas, tem uma prece e uma explicação: “Pai, perdoa-lhes. Eles não sabem o que fazem”. Certamente, não sabemos o que estamos fazendo, destruindo nosso mundo e a nossa humanidade nele.

É o amigo que vende Jesus. Era para ser amigo. A amizade e o amor é o sentido da vida e morte de Jesus. É a Ele que seguimos, e é na amizade que nos acreditamos, vivemos, lutamos e esperamos. Apesar dos pesares.


Autor:
Fonte: Pe. Agustin sj
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